Brasília-DF, 19/3/2021.
Por Cláudia Fernanda Pereira de Oliveira, Procuradora do MPC/DF
“Hoje, amanheci mais triste do que nesses dias habituais, em que tem sido comum o sentimento devastador sofrido em face do atual momento vivido pela humanidade inteira; pelo nosso planeta.
Recebi a notícia do falecimento do Dr. Lincoln.
‘-Perdemos mais que um ex colega de trabalho; perdemos um mentor’, foi assim que nos exprimimos por mensagem, eu e outra colega, que se aposentou em 2017, Márcia Farias, e que comigo tomou posse na mesma data como Procuradora do Ministério Público de Contas do DF. Era um ano emblemático: 1988. O país fervia diante da promessa democrática e víamos nascer uma nova Constituição.
Tínhamos acabado de completar recentes 20 e poucos anos, e fomos recebidas com imensa generosidade pelo nosso Procurador-Geral, Dr. Lincoln. Seria natural esperar algum choque de geração, já que tínhamos próximo à idade de sua filha, que, inclusive, havia cursado a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conosco e que, mais tarde, veio a se tornar minha grande amiga, até hoje, um presente valioso que a vida me deu.
Dr Lincoln, também concursado, havia assumido seu cargo em 1970, brilhantemente aprovado em 1º lugar, e teve, por colegas, figuras jurídicas eminentes, como a ex Procuradora-Geral e Ministra Élvia Lordello Castello Branco, além dos ex Ministros e também seus companheiros de trabalho, José Guilherme Vilela e o professor Roberto Rosas.
Mas não houve qualquer choque, ao contrário. Dr. Lincoln foi um pai para nós, tamanha a sua paciência, afetuosidade e dedicação. E foi um exemplo em todos os sentidos, como excelente Procurador que era, competentíssimo, dos melhores que eu já conheci, e, ainda mais, por sua simplicidade e humanidade.
Era ‘um grande conhecedor do Direito; (…) do melhor gabarito moral e intelectual’; representa a própria ‘fidalguia de seus sentimentos e da retidão de seu caráter’; ‘um gentleman’, são alguns dos adjetivos registrados na Ata 73/87, do Tribunal de Contas da União, quando amigos e contemporâneos fizeram questão de felicitá-lo pela posse como Procurador-Geral do MPCDF. Ou, ainda, nas palavras do escritor, ex Ministro e Conselheiro do TCDF, Ronaldo Costa Couto: ‘O nosso querido Lincoln é tudo isso. Assim mesmo, com o verbo presente no indicativo’ (Ata 460/92).
Poderia ter ocupado outros cargos de maior prestígio, que costumam ser cobiçados por muitos. Dr. Lincoln não quis. Viabilizou, na sequência, a posse de outro cargo de Procurador, completando o quadro de 04 membros e, então, aposentou-se, cumprindo a sua honrosa missão.
Avesso a qualquer tipo de vaidade, simples e bem-humorado, decidiu viver um lado descontraído e leve, que tinha tudo a ver com ele também: a sua família, ao lado da sua companheira, linda, elegante e agradável Zulmira; dedicou-se a jogar vôlei em sua casa, com partidas sempre muito alegres; e, imagino, que talvez deva ter-se empenhado ainda mais na arte da pintura, já que guardo, na lembrança, as paredes de sua casa repletas de quadros, um mais lindo do que o outro, com reproduções de artistas famosos feitas por ele e que certamente refletiam o seu lado mais íntimo, sensível e estético.
Dr. Lincoln deixa um legado para todos os que tiveram a honra de conhecê-lo. Ele prova que o que fica dessa vida são as boas ações e as sinceras memórias que nos representam. No caso do nosso mentor, essas poderiam ser perfeitamente identificadas por uma verdadeira obra de arte, um belo quadro emoldurado, composto principalmente de cenas reais, com a sua família: o amor de toda a sua vida, sua esposa; seus dois filhos e quatro netos.
Descanse em paz, Dr. Lincoln e muito obrigada por tudo!”
Por Márcia Farias, Procuradora do MPC/DF (aposentada)
Um mestre da ópera, Dr. Lincoln Mendes Pinto da Luz foi também um mentor inesquecível para mim. Um homem muito culto, foi Procurador Geral do MPC numa época em que o Brasil passava por muitas transformações, que culminaram na promulgação da Constituição de 1988. Quando o conheci, foi nessa capacidade de Chefe do Ministério Público. Recebeu-me a mim e à Dra. Cláudia Fernanda em seu gabinete, orientou-nos sobre o trabalho no MP com a simplicidade e a praticidade que lhe eram típicos. É no dia-a-dia do trabalho que temos a oportunidade de conhecer a alma de uma pessoa. Isso se fazia na pontualidade – chegava sempre ao tribunal exatamente no mesmo horário –, no sorriso amigo, na discrição, no trato com seus funcionários e com todos, na atenção que tinha com a família. Homem de bem. E nesse dia e ano de São José – homem simples também, patrono dos trabalhadores, que ensinou a Jesus seu ofício, que fazia de tudo uma oração – soube que nosso Procurador-Geral virou Luz novamente. Meu carinho, de coração, para a família, em especial D. Zulmira.