Brasília-DF. 7/2/2024. O Ministério Público de Contas do DF ofertou, por intermédio da Quarta Procuradoria, a Representação nº 2/2024-G4P/ML, na qual são apresentadas à Corte possíveis irregularidades no âmbito da Secretaria de Estado de Economia do DF – SEEC/DF relacionadas aos procedimentos adotados pela Subsecretaria de Segurança e Saúde do Trabalho – Subsaúde, quando da realização do exame admissional de candidatos com Transtorno do Espectro Autista – TEA aprovados para as vagas reservadas a pessoas com deficiência (PCDs) no concurso público de que trata o Edital Normativo nº 31/2022 (DODF nº 122, de 1º/7/2022), destinado ao provimento de vagas e formação de cadastro reserva para os cargos das carreiras Magistério Público e Assistência à Educação.
Após receber denúncia, o Parquet de Contas identificou possível ilegalidade nos atos praticados pela Subsaúde no exame médico admissional de candidatos PCDs com TEA – Nível 1 de suporte, que contrariaram o resultado da avaliação biopsicossocial, promovida por equipe multiprofissional do Instituto Quadrix, entidade promotora do concurso, a qual reconheceu como pessoas com deficiência os candidatos inscritos nesta condição e aprovados no certame.
Segundo dados remetidos ao Órgão Ministerial, a despeito da previsão contida no § 2º do art. 1º da Lei nº 12.764/2012, a qual estabelece que “A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”, a Subsaúde “não vem seguindo o edital, respeitando a lei e diversas jurisprudências atuando de forma autoritária e informando que autista nível 1 de suporte não é considerado pessoa com deficiência para fins de concurso público.”
Nos termos da manifestação endereçada ao Parquet de Contas, “vários PCDs estão sendo desconsiderados como pessoa como deficiência sendo que a perícia para tomar posse não é para caracterizar ou não a deficiência já que o prazo legal para isso já passou e todas as pessoas que passaram pela avaliação biopsicossocial e foram consideradas pessoas com deficiência a banca que era composta por profissionais capacitados e inclusive representando a Secretaria de Estado e Educação do Distrito Federal além da banca avaliadora Quadrix, estes nomes foram publicados no diário oficial e no site da Quadrix. Segundo o edital não existe a previsão de uma nova avaliação para considerar pessoa com deficiência ou não.”
Além da denúncia, na mídia foram divulgadas informações sobre outros candidatos participantes do concurso que, igualmente, tendo concorrido às vagas destinadas a PCDs em razão do TEA nível 1, segundo informado, tiveram a posse obstada por ato da Subsaúde, em que pese a aprovação, devidamente homologada mediante o Edital nº 40 (DODF nº 141, de 27/7/2023).
Nesse cenário, após manifestação da SEEC/DF acerca dos fatos denunciados, o Ministério Público, ao verificar que: i) no Edital nº 31/2022, regulador do certame, houve a oferta de vagas destinadas a candidatos com deficiência, assim considerados aqueles que se enquadrassem, entre outros, no § 1º do art. 1º da Lei nº 12.764/2012 (item 10, subitem 10.1.2); ii) para concorrer a uma das vagas reservadas a essa clientela, o candidato deveria declarar-se com deficiência, no ato da inscrição e, enviar, via upload, por meio de link específico, laudo médico com o atesto da espécie e o grau ou o nível da deficiência (item 10.2) e, em sendo confirmada a condição de PCD declarada, o resultado definitivo das inscrições homologadas seria posteriormente divulgado (item 10.10); iii) referidos candidatos, não tendo sido eliminados do concurso, teriam, ainda, que submeter-se à avaliação biopsicossocial oficial promovida por equipe multiprofissional do Instituto Quadrix, para análise da sua qualificação como deficiente, etapa que, igualmente, teria o resultado definitivo divulgado (item 10.12, subitem 10.12.14); iv) a Lei nº 12.764/2012 não distingue os níveis de suporte exigidos aos portadores de TEA; e v) a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência) estabelece que “A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar (…)”; ressaltou a impossibilidade de a Subsaúde, na avaliação admissional dos candidatos PCDs aprovados no concurso em questão, desconsiderar as normas previstas no Edital e na própria legislação de regência, em afronta aos princípios basilares da Administração Pública, especialmente, o da legalidade, da vinculação ao edital, da proteção à confiança e da segurança jurídica.
Diante disso, o Procurador Marcos Felipe Pinheiro Lima asseverou que “na visão Ministerial, a Subsaúde não poderia, na avaliação admissional dos candidatos, desconsiderar as normas previstas no Edital e a própria legislação de regência, em franca afronta ao princípio da legalidade. A rigor, como a Lei não faz qualquer distinção acerca do nível de suporte da pessoa com TEA para considerá-la ou não como PCD, não cabe à Administração fazê-lo para desabonar a avaliação biopsicossocial anteriormente realizada, sob pena de discriminação e capacitismo.”
Para o Parquet de Contas, tal fato permite concluir que a referida Unidade de Saúde, agindo contra legem, em afronta às Leis nºs 12.764/2012 e 13.146/2015, e extrapolando as atribuições que lhe foram estabelecidas no ato convocatório do certame (subitem 21.3), concorreu para uma quebra de confiança por parte da Administração Pública em relação a esses candidatos, cujas expectativas legítimas restaram frustradas em face dos atos por ela adotados, que culminaram por minar a esperada boa-fé na relação jurídica estabelecida entre ambos (princípio da proteção à confiança).
De acordo com o Procurador, “parece premente a necessidade de apuração de possíveis irregularidades na prática de atos praticados pela Subsaúde concernentes à avaliação médica admissional do concurso público regulado pelo Edital Normativo nº 31/2022, que obstaram a posse de candidatos aprovados nas vagas destinadas a pessoas com deficiência, sob pena de desvirtuamento dos procedimentos de participação e admissão estabelecidos no ato convocatório.”
Requereu ao Tribunal, por fim, a concessão de medida cautelar, a fim de suspender os efeitos dos atos praticados pela Subsaúde, quando do exame admissional de candidatos PCDs com TEA, que contrariaram o resultado da avaliação biopsicossocial, a qual reconheceu como pessoas com deficiência os candidatos inscritos nesta condição aprovados no concurso público regulado pelo Edital Normativo nº 31/2022.
A Representação nº 2/2024-G4P/ML ainda pende de conhecimento por parte do TCDF.
Autoria e responsabilidade pelo conteúdo do texto: Dr. Marcos Felipe Pinheiro Lima, titular da 4ª Procuradoria do MPC/DF